Os séculos IV e V conhecerão a expansão do monaquismo, surgido já no século III, no Egito, por toda a Cristandade, inclusive no Ocidente de cultura latina. Santo Agostinho, que foi batizado em 387, viveu com companheiros uma existência de tipo monástico e escreveu uma regra de vida comum. Outros nomes importantes, no Ocidente, foram S. Martinho que fundou mosteiros na França e Jerônimo, que pregou o ascetismo em Roma e viveu como monge na Palestina. Ainda na França, tiveram grande influência na difusão da instituição monástica Cassiano, Honorato de Lérins, Cesário de Arles, sobretudo por seus escritos e regras monásticas. Enfim, nas últimas décadas do século V, já se havia construído uma sólida tradição de vida monástica, tanto no Ocidente como no Oriente, onde S. Basílio Magno, no século anterior, tornou-se o grande legislador monástico. É precisamente neste contexto que surge a figura de Bento de Núrsia, um jovem de classe alta que abandona seus estudos em Roma para fazer-se eremita numa gruta nas imediações de Subiaco. Com o passar do tempo, afluem numerosos discípulos e Bento torna-se pai de monges e fundador de mosteiros. Após uma longa experiência como abade, não isenta de vicissitudes e dificuldades, S. Bento fixa-se em Monte Cassino, onde funda um mosteiro e escreve a sua famosa regra monástica que estava destinada a tornar-se o código de vida de praticamente todos os mosteiros do Ocidente cristão. A tradição admite que S. Bento nasceu em torno de 480, escreveu sua regra por volta de 530, vindo a falecer pouco depois. O papa Gregório Magno foi seu biógrafo, deixando-nos o único testemunho escrito a respeito de sua vida e virtudes, ainda que não estritamente histórico, no sentido moderno do termo. A grande importância de S. Bento reside no fato de que, usando o melhor da tradição monástica anterior, tanto do Ocidente como do Oriente, compôs uma regra notável por seu equilíbrio e sabedoria espiritual, aliás fruto também de sua longa experiência como pai de monges. Além disso, sua regra é profundamente evangélica, centrada em Cristo - nada antepor a Cristo é um de seus refrões - e permeada de uma delicada atenção para com a pessoa humana, ou, como diríamos hoje, de cunho personalista. S. Bento soube abrandar algumas asperezas do monaquismo contemporâneo, sem ceder em nada na elevação do ideal espiritual. Como apresentar, de forma breve, esta Regra tão cheia de sabedoria espiritual? Antes de tudo é preciso deixar falar seu texto. As primeiras palavras do Prólogo são, ao mesmo tempo, um convite e um programa de vida:“Escuta, filho, os preceitos do Mestre e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa fielmente o conselho de um bom pai, para que voltes, pelo labor da obediência àquele de quem te afastaste pela desídia da desobediência. A ti, pois, se dirige, agora, minha palavra, quem quer que sejas que, renunciando às próprias vontades, empunhas as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo Senhor, verdadeiro Rei.”
O capítulo 58, que trata da maneira de receber os que desejam ingressar no mosteiro, precisa, um pouco mais, o destinatário daquele convite inicial:
“ Seja designado para eles um dos mais velhos, que seja apto a obter o progresso das almas e se dedique a eles (isto é, os que desejam ingressar no mosteiro) com todo o interesse. Que haja solicitude em ver se procura verdadeiramente a Deus, se é solícito para com o ofício divino (ou seja, a oração que os monges rezam no coro várias vezes ao dia), a obediência e os opróbrios (as coisas difíceis que põem à prova nosso amor próprio).”
Portanto, o convite destina-se simplesmente aos que buscam verdadeiramente a Deus, não a si próprios ou outras coisas fora de Deus.
E o que aprenderá e deverá viver no mosteiro? De acordo com o capítulo 72, a caridade perfeita dentro da comunidade fraterna que encontrará no mosteiro:
“Assim como há um zelo mau, de amargura, que separa de Deus e conduz ao inferno, assim também há um zelo bom, que separa dos vícios e conduz a Deus e à vida eterna. Exerçam, portanto, os monges este zelo com amor ferventíssimo, isto é, antecipem-se uns aos outros em honra. Tolerem pacientissimamente suas fraquezas, quer do corpo, quer do caráter; rivalizem em prestar mútua obediência; ninguém procure aquilo que julga útil para si, mas, principalmente o que o é para o outro; ponham em ação de forma desinteressada a caridade fraterna; temam a Deus com amor; amem ao seu Abade com sincera e humilde caridade; nada absolutamente anteponham a Cristo – que nos conduza juntos para a vida eterna.”
Aparece, aqui, a figura do Abade, importantíssima na Regra, pois a ele cabe conduzir, em nome do Cristo, o rebanho que lhe foi confiado no mosteiro. São Bento, dirigindo-se ao abade, no capítulo 64, pede-lhe que:
“...saiba convir-lhe mais servir que presidir.”
“Odeie os vícios, ame os irmãos.”
“...faça prevalecer sempre a misericórdia sobre o julgamento.”
“...não...permita que os vícios sejam nutridos, mas que os ampute prudentemente e com caridade...”
e, enfim:
“Assumindo esse e outros testemunhos da discrição, mãe das virtudes, equilibre tudo de tal modo que haja o que os fortes desejam e que os fracos não fujam; precipuamente, conserve em tudo a presente Regra...”
Por conseguinte, no mosteiro, vive-se sob uma regra e um abade, no quadro da comunidade fraterna. O abade interpreta e aplica a regra às situações concretas, mas a regra fornece o enquadramento dentro do qual todos, inclusive o abade, devem agir.
São Bento é otimista e quer infundir esperança, sabe que propõe algo difícil – a busca da caridade perfeita através da obediência e da renúncia de si mesmo, na imitação de Cristo, que tornam o monge humilde – mas crê que o monge pode alcançar sua meta, se for fiel e perseverante (isto é, se não fugir logo, “tomado de pavor, do caminho da salvação que nunca se abre senão por estreito início”, conforme ensina no final do Prólogo), com a proteção da graça divina, como dizem as últimas palavras da Regra no capítulo 73:
“Tu, pois, quem quer que sejas, que te apressas para a pátria celeste, realiza, com o auxílio de Cristo, esta mínima Regra de iniciação aqui escrita e, então, por fim, chegarás, com a proteção de Deus, aos maiores cumes da doutrina e das virtudes de que falamos acima. Amém.”
Ainda que nos séculos que se seguiram a S. Bento, houvesse, no monaquismo do Ocidente, grande variedade de regras e observâncias monásticas, sua Regra acabou por impor-se, seja por suas próprias qualidades, seja pela ação de Bento de Aniane que, tendo obtido a confiança do imperador Luiz , o Piedoso, influenciou a legislação referente à vida monástica no sentido de conferir-lhe o papel de código exclusivo para reger a vida dos mosteiros. Estamos, então, no início do século IX, quando a instituição monástica, velha de alguns séculos, já experimentou, por mais de uma vez, a necessidade de reforma.